TRADIÇÃO  |  CONHECIMENTO  |  SEGURANÇA

Portal GGN| Ciro Gomes e a tragédia dos precatórios, por Percival Maricato

Portal GGN| Ciro Gomes e a tragédia dos precatórios, por Percival Maricato Portal GGN 

 

por Percival Maricato-07/04/2024

Ciro Gomes poderia aborda-los, mas prefere continuar a deturpar a realidade, inocentar os culpados e culpar o inocente.

Publicado em 7 de abril de 2024, 9:35

Compartilhar

Compartilhar no FacebookTweetarEnviar pelo WhatsAppEnviar por e-mail

Reprodução Youtube

Contribua usando o Google

Ciro Gomes e a tragédia dos precatórios, por Percival Maricato

Os precatórios são uma pavorosa tragédia nacional que lesa milhões de brasileiros.  Há pelo menos dez escândalos explosivos que envolvem o ex presidente, prefeitos e  governadores. Ciro Gomes poderia aborda-los, mas prefere continuar a deturpar a realidade, inocentar os culpados e culpar o inocente.

A mentira e os primeiros escândalos

Ciro Gomes tem muitas qualidades, tem visão política, tem ou teve coragem de dizer o que pensa, poderia ser um político importante para o país, um dos dez mais, não fosse o ego descomunal e que faz com ele queira ser o primeirão, acima de todos e sabendo de tudo. Então, basta um boato para ele jogar areia no ventilador e querer aparecer como salvador da pátria.

Seus vídeos sobre o pagamento pelo governo federal de R$ 93 bi devidos em precatórios a dezenas de milhares de pessoas físicas e jurídicas são estúpidos. Ciro afirma que o pagamento desse valor foi  um escândalo contra os brasileiros, “maior que o petrolão e o mensalão somados”; disse que os bancos, usando de informações sigilosas (culpando implicitamente o governo Lula), compraram de infelizes brasileiros esses precatórios pela metade do preço, ou seja, por pouco mais de R$ 40 bi, e receberam do governo o total dos R$ 93 bi; em poucos dias. Enfatizou que para que os brasileiros vendessem esses precatórios pela metade do preço, foi divulgado que o governo demoraria para pagar.

A extrema direita continua fazendo festa nas mídias sociais e outras propensas a divulgar o que lhes cai à mão, acusando o governo de corrupto; divulgam intensamente as falas de Ciro. Se não sabia, a esta hora ele não pode dizer que não sabe o que se passou, mas continua sem pedir desculpas, o que pode significar que entrou em nova fase política, a de adesão ao fake news.

Vamos à verdade

Quando alguém ganha uma ação contra algum ente público, município, estado ou União, a condenação pode se tornar um precatório. Tem a chamada condenação de “pequeno valor”, que é pago em menor tempo. As demais viram precatório, uma ordem de pagamento que entra em uma fila de credores para ser pago quando chegar a vez. A União costuma pagar em até dois anos mas os demais entes levam mais demoram mais de dez anos Temos aqui um primeiro escândalo. E pode-se citar um segundo: eis que os governos exigem seus créditos pagos geralmente de imediato. Finalmente um terceiro: não aceitam precatórios, ou seja, títulos que devem, para pagamento dos que os devedores, inclusive contribuintes, tem que lhes pagar.

No caso da União a demora de dois anos foi torpedeada pelo governo Bolsonaro, com evidente intenção eleitoreira. Precisava de dinheiro para para gastar  com bolsa taxista, bolsa caminhoneiro, bolsa gás, etc (quarto escândalo), O ex presidente decidiu colocar um limite anual para pagamento de precatórios, bem menos do que o montante que deveria ser pago (quinto escândalo), e encomendou à extrema direita e ao centrão a chamada “PEC do Calote”, que logo foi aprovada. graças à moeda de troca: as emendas secretas (sexto escândalo). Em outras palavras, o ex-presidente e os partidos que o apoiavam decidiram dar o cano (não pagar) os credores da União  os “infelizes brasileiros” a que se refere Ciro.

Muitos destes, com o adiamento do pagamento, se viram obrigados a vender seus precatórios pela metade do preço (sétimo escândalo). A maioria não.

Por que o governo Lula pagou os precatórios

Iniciado o governo Lula, autoridades de todos os poderes constataram o óbvio, que o não pagamento desses precatórios no ano de vencimento iria se acumular com os dos anos correntes e resultar em montantes explosivos, impagáveis em 2027, quando o montante seria de mais de R$ 700 bilhões.

E então o Congresso, até o centrão, afinal as eleições já estavam no passado, concordou em derrubar a PEC e passou a discutir como.  Mais ligeiro, o PDT, partido, vejam só, de Ciro, foi ao STF e pediu a declaração da inconstitucionalidade da PEC, ela contrariava princípios básicos de Direito.

O STF discutiu amplamente e, mais rápido que o Congresso, declarou a nulidade e, portanto, a União voltou a dever aos credores o pagamento imediato de seus créditos, teria que pagar todos os que levaram o cano, com juros e correção. O governo Lula simplesmente obedeceu à lei que voltou a vigorar; se dar o cano nos credores foi ilegal, competia-lhe fazer os pagamentos (reitere-se: que Bolsonaro não fez). Em outras palavras, o governo simplesmente decidiu pagar o que devia, como manda a lei, como é justo, como é moralmente esperado.  Do total cerca de 3,5%, e não “todos”, eram precatórios em mãos de bancos e menos da metade desse montante fora adquirido de terceiros. E como sabemos, bancos também devem ser pagos. Sobre o precatório corre juros e correção, eles vão aumentando a dívida. E a
maioria que de “infelizes brasileiros” que tinham levado o cano, felizmente pôde receber seus créditos.

Outra afirmação de Ciro foi que os bancos tiveram informação privilegiada, que tudo foi tratado em silêncio. Outra falácia, pois o problema nunca deixou de ser intensamente discutido; começou com uma vergonha PEC, logo questionada, inclusive pela ação do PDT, repita-se, partido de Ciro, no STF, e logo após Lula tomar posse a busca de solução passou a ser manchete de jornais regularmente, era fácil perceber que o governo voltaria a ser obrigado a pagar seus credores.

A “Indústria dos Precatórios”

Há sim, milhares de precatórios que são negociados no mercado, municipais, estaduais e federais, há dezenas de empresas que procuram seus detentores para comprá-los. Os precatórios federais sempre foram vendidos no mercado por cerca de 70% do valor de face, caindo após a PEC do calote para 50% ou menos (oitavo escândalo) e voltando a aumentar após a decisão do STF.

Ninguém é obrigado a vendê-los, mas como existe certa demora no pagamento, muitas pessoas preferem fazê-lo, muitos credores têm algo melhor para aplicar, outros precisam pagar contas, às vezes dos hospitais usados na velhice. O governo não pode impedir esse comércio. E é até melhor que os credores tenham uma opção que não seja esperar.

Poderia se dizer como está na moda, “é o capitalismo estúpido”. Não se pode pedir a falência do ente público devedor como se faz com empresa privada.

O precatório se tornou um produto como tantos outros, títulos de crédito, submetido à economia de mercado. Vender o precatório sempre é opção do credor. No mercado os precatórios da União valem muito mais que os estaduais e municipais porque são pagos no prazo médio de até dois anos, ao contrário dos emitidos por estados e municípios que demoram mais de dez para pagar.

O estado e o município de São Paulo, o nono grande escândalo

O estado de São Paulo costuma demorar 14 anos para pagar e o município de São Paulo, 14 anos. Ou seja, o estado está pagando em 2024 dívidas de ações judiciais que perdeu em 2010, e a prefeitura, as de 2009. Se alguém quer vender o precatório consegue quando muito,  50% do valor real, pois quem compra vai ter que esperar mais de década para receber. Isso sim é escândalo e merecia ser abordado. Seria bom para dezenas de milhares de credores, muitos doentes e idosos, que esses entes públicos fizessem o que fez o governo federal.

Como esses credores levaram em média sete anos para ganhar a ação (décimo escândalo) que gerou o crédito, pode-se dizer que o estado de São Paulo está pagando agora o que deveria ter pago dezenove anos atrás. Se nada mudar, os aposentados que estão sendo lesados neste ano de 2024, vão ter que entrar com ação judicial que serão ganhas em 2031, quando receberão um precatório que será pago em  2045.

A cumplicidade de governadores e prefeitos

A origem desse abuso, desse escândalo, desse assalto, bem mais imoral que o roubo de celular, está nos governadores e prefeitos, não poucos incompetentes, irresponsáveis, insensíveis, oportunistas. Eles deixam de pagar seus credores, os precatórios, para pagar outras obrigações que podem causar mais danos ao estado ou para fazer caixa e obras eleitorais, alguns para enfiar grana no bolso. E as dívidas se acumulam, são 12 anos de espera no estado mais rico da federação, é prática geral no país. Como os políticos e parlamentares são coniventes, ninguém pensa em providências, a situação só piora.

Alguém ouviu uma palavra que seja dos governadores, prefeitos, deputados atuais, dizendo que querem reduzir essa injustiça, reduzir o prazo de pagamento das obrigações? Isso não seria um bom escândalo para Ciro abordar?

Como consolo dos credores, existe o pagamento mais rápido dos “pequenos valores”. Na União é de 60 salários mínimos. No estado de São Paulo era de R$ 30.119,20, mas o governador João Dória, deve ter pensado que era muito e, em 2019, reduziu o valor para R$ 11.678,90.  E é claro, mais uma vez, aumentou em dezenas de milhões de reais o valor do total em precatórios devido pelo estado aos credores. Para a prefeitura de SP, o valor é de R$ 27.693,08. Valores maiores viram precatórios sobre os quais corre juros e correção e os entes públicos (e contribuintes) vão ficando cada vez mais endividados.

À esse montante soma-se mais um ônus: honorários de advogados, seguramente pelo menos 10% do total. Trata-se de mais uma bomba relógio. É comum prefeitos não pagarem fornecedores e quando cobrados judicialmente contestarem o crédito. A gestão deles irá acabar e a dívida não paga, com seus juros, honorários etc, acabará se tornando precatório para um prefeito posterior pagar. O primeiro é visto como fazedor de obra (lembremos Paulo Maluf) e os demais, que pagam as dívidas, como ineficientes.

O Judiciário não tem ajudado na solução. Os juízes são “sensíveis” à situação dos entes públicos e de seus dirigentes atuais, que às vezes não têm culpa pelo que foi feito no passado (não tem culpa, mas não se preocupam em reduzir o atraso nos pagamentos). Então, se recusam a obrigar o ente a pagar o credor em prazo mais decente.

O desarme da bomba relógio federal

A União resistiu ao oportunismo que caracteriza governadores e prefeitos e sempre pagou com certa rapidez, até o governo Bolsonaro começar a não pagar, o que poderia levar à União a agir como estados e municípios e ir atrasando pagamentos. Não houvesse os pagamentos que Ciro critica e haveria uma conta com valores se acumulando.

Foi este escândalo, a quebradeira ou inadimplência da União, que o governo atual evitou pagando a dívida que o anterior deixou. Evitou-se um golpe em que prefeitos e governadores são mestres, ir adiando o problema.

No sentido contrário, quando o contribuinte deve ao ente píblico, o pagamento tem que ser imediato ou em pouquíssimo tempo. Custas judiciais, por exemplo, e estas tiveram aumento astronômico nos estados. Há taxas e mais taxas que são cobradas e sequer foram discutidas na reforma tributária. Os aumentos constantes de IPTU por este ou aquele motivo, idem. É mais um escândalo.

Enfim, não faltam escândalos na área de precatório e na relação estado-contribuinte, há milhões de lesados pelo país, todos merecendo abordagens contundentes dos políticos, mas Ciro preferiu transformar um fato que solucionou um problema em uma fake news para ganhar espaço nas mídias, fortaleceu a imagem de quem causou o escândalo, atribuindo-o a quem o resolveu.

Percival Maricato é sócio do Maricato Advogados e membro da Coordenação do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais

https://jornalggn.com.br/justica/ciro-gomes-e-a-tragedia-dos-precatorios-por-percival-maricato/ 

 Voltar
Rua Itápolis, 1468 - Pacaembu - São Paulo - SP CEP 01245-000
11 3661-5093
Contato